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por Bernardo Mendes Pimentel

Orientação Vocacional e a Arteterapia

Cada vez mais se experimenta e se constata a Arteterapia como uma valiosa ferramenta para se resgatar  o  potencial criativo e a capacidade de expressão de indivíduos em busca de auto-conhecimento. Tem sido assim em consultórios, clínicas, instituições de ensino e, mais recentemente, em empresas. Sua utilização vem favorecendo  também a possibilidade de o indivíduo se permitir arriscar, olhar, pensar e agir diferente com relação aos fatos de sua vida.


A Arteterapia é parte integrante de um novo paradigma, o qual vem se afirmando mais e mais, conforme avizinhamos o terceiro milênio. Em tempos de Inteligência Emocional, o ser humano vem redescobrindo a importância da expressão dos sentimentos, da possibilidade de um melhor relacionamento inter-pessoal no ambiente de trabalho ( e em todas as situações da vida, de um modo geral ), da capacidade de se buscar uma melhor qualidade de vida tanto nas tarefas profissionais como também – importantíssimo – em seus momentos de lazer.


Há cerca de três anos, venho utilizando o princípio e algumas técnicas de Arteterapia  em orientação vocacional  com  adolescentes  e jovens adultos. Essa combinação tem sido possível dada a utilização da estratégia clínica, inicialmente formulada pelo psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky.  Ele entende a escolha de carreira como um processo no qual devem ser levados em conta alguns fatores, tais como o momento por que passa o jovem, sua história familiar, social e escolar, seus bloqueios e suas potencialidades etc.


A estratégia clínica é considerada pelo próprio Bohoslavsky como uma modalidade não-diretiva  em que o psicólogo cria condições, através de exercícios e de entrevistas, para que  seu cliente desenvolva  autonomia (1). Isto porque a eficácia de sua escolha vai depender da forma como percebe e avalia os fatos à sua volta e também do que sabe de si mesmo, de seus interesses, suas dificuldades, suas aptidões, enfim, das características de sua personalidade. Mais importante do que se chegar propriamente a uma escolha, é o jovem perceber como escolhe, quais critérios utiliza, suas possíveis distorções em relação às carreiras e o que considera como importante em seu futuro universo de trabalho.


A cada processo concluído, cresce em mim a certeza da importância da articulação da Arteterapia à OV, trabalho que, para ser bem sucedido, depende  da disponibilidade do jovem em se conhecer. Pois é exatamente a partir desse  conhecimento, que ele vai definir a estratégia para alcançar seus objetivos. Portanto, há que se terem claros  esses objetivos. Nesse sentido, a Arteterapia dispõe de recursos que proporcionam esse e outros esclarecimentos. Todo esse trabalho acontece a partir do contato  do  orientando consigo mesmo, com suas dúvidas, seus conflitos, suas crenças  e  com o mundo que o cerca.
Mas, antes mesmo de abordarmos aspectos relativos à   Arteterapia, é importante situarmos o jovem no momento da escolha profissional. Este normalmente coincide com o início da segunda metade da adolescência, época durante a qual a pessoa vive alguns lutos importantes, entre os quais, os das perdas de sua identidade e papéis infantis. “A elaboração do luto conduz à aceitação do papel que a puberdade lhe destina. Durante o trabalho de luto surgem defesas cuja finalidade é negar a perda da infância.”(2)


           Essa é, portanto, uma fase de grandes transformações físicas as quais vão afetando, evidentemente, a psique do adolescente. Momento existencial em que as relações entre pais e filhos sofrem alterações – para os primeiros, aqueles não mais são suas crianças com as quais estavam acostumadas a lidar. Para os adolescentes, possíveis idealizações – que quase sempre ocorrem da parte deles em relação aos pais – transformam-se em desencanto e, muitas vezes, em intensos questionamentos.


Com tantas transformações acontecendo, é natural que uma escolha dessa importância possa, muitas vezes, gerar no jovem novos conflitos e/ou acentuar os já existentes. Principalmente, quando lhe é cobrada uma urgência sobre qual carreira seguir, sem que ele tenha tempo necessário para se informar sobre algumas profissões de seu interesse,  bem como para conhecer a  respeito de si  próprio, gostos, aptidões, visão de mundo etc.


O processo de orientação vocacional se propõe a dar suporte ao jovem nessa empreitada, auxiliando-o na compreensão de suas dificuldades que o impedem de realizar uma escolha. Cabe ao orientador  mostrar-se presente, aberto e solidário àquela pessoa que o procura  e , ao mesmo tempo, esclarecer os pontos mais importantes do trabalho entre os quais, a fundamental importância de sua participação no processo.


Novamente, voltamos ao ponto relativo ao auto-conhecimento. O orientando deve estar consciente da importância de seu papel no processo de escolha, não encarando o orientador como aquele  que determinará sua  profissão. É comum isso ocorrer: o jovem atribuir poderes quase mágicos ao orientador. Da mesma forma, alguns questionamentos também podem surgir durante esse processo. Perguntas que, muitas vezes, também são nossas. Quais são suas fantasias em relação a essa escolha?  Será mesmo este o momento propício para optar por uma carreira?


Essas são algumas questões para as quais buscamos desvendar caminhos e alternativas. Escrevo “buscamos” pois somos eles e eu, clientes e orientador, rumando juntos, checando suas percepções, compartilhando expressão de seus pontos de vista, suas fantasias, seus temores e ansiedades. Juntos, conversamos sobre acontecimentos de suas vidas pessoais, os quais, de algum modo, podem estar interferindo hoje em seu processo de escolha.                      


Só então, após termos criado todo esse campo favorável  para  sua expressão, avaliaremos as informações ocupacionais , contidas em manuais especializados. É o momento de se confrontar tudo aquilo que  se descobriu a respeito de si próprio com as qualidades  e características esperadas em cada  profissão. É a oportunidade de se constatar suposições, confirmar hipóteses ou de se reavaliar falsas crenças que possam persistir em relação a alguma carreira.       


Quais são, portanto, os benefícios da utilização da   Arteterapia em processos de orientação vocacional? Além de possibilitar o auto-conhecimento, a Arteterapia dá a oportunidade de o indivíduo se perceber em situações fora de seu contexto cotidiano de atividades. Esse exercício do “fazer artístico”  possibilita  a (re)conquista  da auto-confiança e da capacidade de arriscar-se em novos empreendimentos. Ao utilizar as técnicas de Arteterapia com critério, criatividade e dentro do enquadre previamente combinado, isto é, o de orientação vocacional, o profissional cria condições para a tomada de consciência de seu cliente com relação a seu  potencial  e  seus limites.


Ao desenhar formas e esboços, o cliente se permite experimentar caminhos novos ou redescobrir antigos meios seus de comunicação. Ao representar, gráfica ou plasticamente, uma parte de sua história para a OV, ele estimula suas próprias funções ( pensamento, intuição, sensação e sentimento), as quais podem auxiliá-lo na compreensão de seus conflitos e bloqueios relativos ao processo de escolha, em geral. Ao esculpir um bloco de gesso ou modelar um tanto de argila, ele idealiza a construção de uma forma para a qual terá que investir energia em soluções criativas a cada problema surgido.


 A exemplo do que se conhece da utilização da Arteterapia em trabalhos estritamente terapêuticos, também em OV acontece a “metáfora da transformação”: à medida em que transformamos plasticamente nossas peças no espaço terapêutico, analogicamente, sentimo-nos cada vez mais capazes de  transformar também aspectos de nossas vidas. É vivenciando conscientemente sua capacidade de operar transformações – a partir da descoberta e da permissão interna para tal – que  o ser humano se encoraja e mobiliza energia para agir.             


ENTREVISTA INICIAL


Durante essa etapa, o orientador busca saber ao máximo sobre  a vida escolar, o lazer, os interesses em geral e a relação familiar do orientando com vistas a traçar  um diagnóstico  e um prognóstico. É a oportunidade de se colher material suficiente para compreender se aquele é o momento adequado  para se iniciar o processo ou se o mais indicado é encaminhá-lo à terapia. “Portanto, do primeiro diagnóstico surge um prognóstico relativo à “orientabilidade” do entrevistado e é através dele que o psicólogo poderá formular uma estratégia relativa à tarefa que empreenderão juntos.”(3)


Quando o orientando, entre os 18 e 22 anos, não possui  idéia clara de quais são seus interesses, aptidões, ficando confuso, por exemplo, entre três ou mais profissões, podemos afirmar que algum bloqueio muito forte está impedindo-o de tomar uma decisão consciente e satisfatória. Muito provavelmente, há algo de obscuro e/ou fantasioso na imagem que faz de si próprio e isso impossibilita a sua capacidade de escolha. Escolher é um ato natural do homem – com todos os riscos que isso pode acarretar. O fato de ser um ato natural não nos dá, porém, a garantia de que este seja, necessariamente, um procedimento fácil ou simples. Não, muitas vezes, ao contrário, até. Mas são o impasse e a dificuldade extrema nossos alvos de estudo.


Mais importante do que nos questionarmos acerca do “porquê” não se consegue escolher uma profissão, é buscar compreender “o que acontece com ele(a) que não consegue ter uma visão um pouco mais clara sobre sua possível ocupação profissional?” ou “o que está fazendo ( ou deixando de fazer ) por si próprio nessa busca vocacional?” Trata-se de, a exemplo do trabalho em psicoterapia, ir ao encontro do mundo do cliente e se dispor a conhecê-lo, com suas particularidades, emoções, idéias criativas, dúvidas, anseios e preocupações.


Daí reside a importância de uma boa entrevista inicial a qual permita a elaboração de um primeiro diagnóstico e um possível prognóstico. Primeiro sim, pois pode ser ajustado ao longo do processo e, conseqüentemente, alterar algumas das estratégias das entrevistas, dinâmicas e técnicas arteterapêuticas a serem propostas.


É indispensável que se cogite a possibilidade de o jovem não chegar, ao final do processo, a uma decisão. Isto é possível  e se deve ao momento  pelo qual está passando, ainda não maduro o suficiente para optar em tal questão. Mesmo assim, ele encerra o processo de orientação vocacional sabendo mais de si, consciente do que ainda lhe falta para estar apto a escolher.


O FAZER ARTE COMO CAMPO DE POSSIBILIDADES


Acompanha-me o tempo todo a idéia da analogia entre o procedimento de uma sessão arteterapêutica e o de uma entrevista ou dinâmica de O.V. Não há surpresa nisso: como afirmei no início do artigo, trabalho com a modalidade clínica em OV. – o que, por vezes, se assemelha a um processo psicoterapêutico. Além disso, a idéia de utilizar a Arteterapia em processos de orientação vocacional partiu de minha observação em clínica. É sempre bom lembrar que, em maior ou menor grau, bloqueios podem sempre existir no ato de uma escolha de tal relevância.


Aprofundo um pouco mais a idéia das metáforas contidas no trabalho de Arteterapia, propondo algumas reflexões. Quantos de nós lembramos de nossos dias de jardim de infância, de atividades para as quais nos eram oferecidos materiais de arte? Com nitidez e riqueza de detalhes, certamente que muito poucos podem se lembrar... Mas a emoção e o prazer surgidos dessas primeiras experiências provavelmente brotarão de nossa memória afetiva. É a possibilidade de acessar as boas recordações dessas atividades, nessa fase em que tínhamos permissão para arriscar - e até nos entusiasmar a cada novidade ou  pequena/grande conquista - que nos faz buscar recursos de compreensão para outras questões da vida.


Esse retorno às situações de infância, recurso eficaz em processos psicoterápicos, é muito valioso também no caminho da OV, embora o encaminhamento que se dê seja outro, sempre enfocando a questão da escolha, das permissões que se tinha ( e tem ) para fazê-las e de como o indivíduo aprendeu a optar em diferentes situações de sua vida. A imaginação ativa, dentre outros, é um recurso muito interessante, pois permite a transcendência da barreira do tempo linear, instituído como tal.


A outra barreira poderia ser a do espaço. Mas não chega a ser porque esse trabalho se incumbe de transformá-la em metáfora, em recurso. Quantos são os jovens que, numa idade de 16 anos, por exemplo, já há muito, não tem sequer o menor contato com alguma atividade artística? Muitos. A maioria passa longe de tintas, pincéis, papéis, instrumentos musicais, danças, argila, caderno de poesia, folhas em branco e canetas para a escrita e/ou desenho... Aí estão as aparentes barreiras : o espaço ( passar longe ) e o contexto diverso ( distante de sua realidade ).


Transformar problemas e dificuldades em consciência e ação, esta é uma de nossas tarefas. Por isso, promovemos um reencontro, através da arte, do indivíduo com suas potencialidades, algumas das quais, sequer conhece – e é o que provavelmente dirá, após tê-las descoberto. Como afirmei, em outro trecho, a Arteterapia convida o indivíduo para experimentar novas possibilidades dentro de outro contexto. Deste modo,  promove, então, um momentâneo e providencial distanciamento do problema e, principalmente, do modo como habitualmente se trata de compreendê-lo e, por extensão, de resolvê-lo.


Originalmente publicado na Revista de Arteterapia "Imagens da Transformação"

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